domingo, 15 de junho de 2008

Seleção de Poemas

Mãe


Parte I – Exaltação e Depressão


Ah sim!

Acordo leve após vinte anos

Seguro e confortável, após acordar-me.

Uma gostosa conversa de vinte anos

Atrás.

Em cantigas de ninar

Vinte anos eu mergulhava

A densa vastidão da humanidade

Curiosos mistérios inefáveis,

Infantis, bolas de gude.

Hoje,

Não ouço mais cantigas pra embalar

E nem verto mais lágrimas,

se as vertesse, as ferveria para um bom chá.

E cantaria:

"-Aqui jaz um espectro de poeta,

Um pesado perdedor sem vínculos.

As dúvidas existenciais me deixam louco;

São como uma nuvem de mosquitos – e tento de espantá-los

E nessa nuvem

existe uma fada que carrega um pote, de voz bem doce

Que cantava algo assim:

algodão-doce, caramelo! marmelo!"


Parte II – Aos Pais – Dor e Expiação


Há vinte anos disserdes-me:

Obedeça.

Desobedeci.

Arrependi-me.

Prometo que vos amarei

Na distância, ternura e amargura,

Sempre.

Prometo que vos honrarei

No Céu e na Terra

e que vos obedecerei

Em júbilo e contrariedade

Nunca é tarde.

Vosso eterno devedor suplica

A minha angústia leva embora

nas horas de apatia

Não quero cair em desordem

Nem em rebeldia

Fui por vezes muito ingrato

Mas sempre vos amei

E se necessário for

Morrerei por vós

Pais da Terra,

Obrigado.


Parte III – Mãe.


Nos devaneios mais sombrios

Afugentando os mosquitos

Para longe do meu coração

em dúvidas

Encontrei-te

Estava atormentado, ansioso, aflito

Deste-me de beber, pois estava com muita sede.

E prostrei-me, como nunca antes.

Mãe, manhã de orvalho.

Sou teu bebê que ainda balbucia no berço

Sou tua luz tão forte que me aquece!

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peço desculpas pela minha linguagem obscena neste próximo poema:

Invenção Psicomorfotrópica de Mulher

Estive enferma por dois flebótomos
Que mistificaram minhas pernas
Construíram varizes, fístulas hilárias
Contrataram horrores divinas filárias

E pulsava a vulva vívida,
depreciativa carne bífida
Incidindo seus filetes suprarenais
Adjacência de corticóides
E eu com um asco estranho,
Mas que vontade de lamber!

Que jovem fartura, desfigurada
Balançando ávida na maca
exibindo as hemorróidas
carcinomas uterinos, sarcomas da endocérvice
cistos ovarianos, líquen labial
numa posição vil à la papanicolaou

Sou a Deusa do Abscesso
vulvovaginite em excesso
e tudo o que preciso ó Doutor
são dois comprimidos pra dor.

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mais outro poema:


Uma Passagem Bíblica

Em uma parede escura
num castelo muito antigo
há uma pintura que deveria ter sido bela
porque as pessoas não param de olhar para ela
e sentar-se ao redor
para ouvir histórias

essa pintura está muito feia
gasta pelo tempo
muito velha
a minha mãe não iria deixar que eu a trouxesse pra pendurar em casa

o artista pintou um Cristo
de braços estendidos
todo espasmos
sofrendo o martírio mais cruel da época

A dor era grande, mas Cristo sorria
e contava muitas histórias para quem chegava ali
alguns adormeciam embalados no torpor
e outros escutavam vidrados - ou desconfiados

e enquanto eu ouvia

vultos arrastavam-se como traças
ao redor do corpo de Cristo na parede escura
ladeado por seus pobres apóstolos gravuras em pastel
e sua mãe que pranteava inconsolada com a perda
a angústia eternizada em seu rosto lacrimoso
exultantemente devorado por um verme
que encontrou uma iguaria excepcional

que mistério doloroso na história sobre a cruz!

os buracos, segundo me disseram
deixaram de ser furos há séculos
são grosseiros rombos sem remendos.

eu visitei o quadro na parede escura
querendo afastar uma dúvida
que sufocava meu coração
e Cristo disse-me assim:
-volto em 3 dias, qualquer coisa deixe seu recado com Maria Madalena.
Aí fiquei puto da vida. Respondi assim:
olha, Sr. Cristo, eu prefiro que o senhor volte com uma história melhor...

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outra,

Breakdown Nervoso

SINTO-ME NEGRO
AO VER AS LETRAS
TÃO DESPUÍDAS
E CORROJADAS
ISSO ME ENOJA
ISSO ME EXCITA
MORTE À POESIA
MORTE À POESIA
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e
outra,

Refeição

Por ora saciarei fome com estas vísceras
Algumas sobras mortais do dia de ontem
Da minha fonte agora jorra sangue
Hemácias simpáticas dançam entre os litros
Preenchendo meu corpo cavernoso
Se ocorre pensar em trompa de falópio

Meu cérebro se desmancha e vislumbra
Preâmbulos roliços de baço e fígado
Pedaços apetitosos de pâncreas salgado
E cem gramas do melhor apêndice dourado

Coração no espetinho com globos oculares
Parecem enxergar a profundidade da textura
Saborosa e anatômica do estômago lacerado
Desdobrado, cozido e requentado

Do delgado intestino fizeram o chouriço
E do grosso um refinado aroma
É um almíscar que penetra reto
Um bálsamo em invaginações ansiosas

Na última ceia a mais fina iguaria
Charutinho de pulmão refogado
Sobremesa feminina - útero com fel
Cardápio de luxo, cartilagens acompanham.

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